MPPB pede que população que se engaje na luta pela efetivação do direito animal
Em webinar, membros do Ministério Público e especialistas mostram que há leis, mas faltam sensibilização e conscientização para cessar maus maus-tratos
O processo de criação, engorda, confinamento e abate de animais é um dos mais cruéis que podem ser vistos e a maioria da população nem se dá conta disso na hora de consumir os produtos advindos das indústrias. O pior é que, no dia a dia, na esfera doméstica, as pessoas praticam maus-tratos semelhantes com os bichos com os quais convivem. Essas e outras questões foram tratadas durante o Webinar “Proteção, acolhimento e atenção básica à saúde animal”, promovido pelo Ministério Público da Paraíba (assista abaixo), na noite dessa quinta-feira (05/11). Os envolvidos pediram à sociedade que se engaje na causa e que exija do poder público municipal uma política para a proteção dos animais. Isso porque só a legislação (ela existe) não muda o comportamento, sendo necessárias também a sensibilização, a conscientização e a participação social.
O evento online foi mediado pela coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, Fabiana Lobo, que apresentou os palestrantes e, ao final, destacou a real contribuição que cada um deu ao tema, agradecendo o conhecimento sobre direito animal que foi compartilhado de uma forma tão didática e com tanta afetividade. Os expositores e especialistas em direito animal foram: o promotor de Justiça de João Pessoa, José Farias de Souza Filho; o médico veterinário, Jeann Leal de Araújo; a advogada e mestranda em Filosofia, Taiara Desirée, e o professor do curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), referência nacional na temática, Francisco José Garcia Figueiredo.
Após tratar sobre o direito animal sob vários aspectos (na filosofia, na ética, no direito e no comportamento humano), membros do MPPB e especialistas defenderam o engajamento da sociedade não apenas se abstendo de cometer crimes ou apoiando protetores de animais ou protegendo-os diretamente, mas também exercendo pressão política para a mudança de comportamento e cultura, cobrando, inclusive, dos vereadores de suas cidades que coloquem na pauta a criação de conselhos municipais de direito animal. Os expositores também pediram que as pessoas que assistiram ou assistirão às palestras compartilhem socialmente esse conhecimento e que desenvolvam uma relação afetiva com o tema para que haja mudanças de atitude e um comportamento adequado.
A senciência dos animais não humanos
A advogada Taiara Desirée falou sobre o direito animal do ponto de vista filosófico, histórico, ético e científico, considerando uma existência digna dos bichos e uma racionalidade e senciência, que seria a faculdade de percepções conscientes, sensações e sentimentos, inclusive de reconhecer um mal iminente e ser afetado emocional e fisicamente por ele. Ela, que é estudiosa da questão animal, fez uma explanação que incluiu, por exemplo, a filosofia de Pitágoras e Aristóteles; as questões históricas envolvendo o tratamento dos animais não humanos como autômatos e também como seres dotados de inteligência, bem como do comportamento tirano dos seres humanos em relação aos animais
Taiara Desirée também apresentou trechos de documentários que mostram, por exemplo, impacto da indústria da pesca no meio ambiente; as condições dos abatedouros de bois, porcos e galinhas, incluindo a crueldade do processo de abate e do sofrimento durante a criação, destacando evidências no comportamento dos animais que mostram que sentem dor e medo. A advogada também mostrou cenas registradas em João Pessoa sobre os maus-tratos aos animais usados em carroças. Ela falou sobre a Declaração dos Direitos dos animais e de outros documentos importantes de proteção, como a Declaração de Cambridge sobre a consciência em animais humanos e não humanos.
Marcos legais da proteção animal
Já o professor do curso de Direito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Francisco José Garcia Figueiredo, após destacar sua felicidade em estar participando de um evento sobre um tema tão importante, fez uma apresentação sobre os aspectos constitucionais e precedentes judiciais do direito animal. Ele destacou a Constituição Federal em seu artigo 225, inciso VII, que, na sua visão, deu valor autônomo aos animais, ou seja, tratou-os como indivíduos, vedando e proibindo a crueldade em face deles. Segundo Figueiredo, os bichos são tratados em dois vieses, sendo um deles o do direito ambiental, ou seja como elementos do meio ambiente, com função ecológica, propiciadora do equilíbrio da ambiência. Mas, também, são reconhecidos sob o ponto de vista do direito animal, ou seja, enquanto indivíduos, sujeitos de uma vida, seres sencientes e sujeitos de direito.
Ele citou, ainda, alguns marcos legais e jurisprudenciais que mostram como os tribunais tratam das questões e que mostram os princípios que norteiam as decisões, entre eles algumas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 4.983, 5.995/RJ, 5.996/AM e ADPF 64), destacando a Lei 11.794/2008, que regulamenta inciso da CF, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais, e, sobretudo o avanço proporcionado pela Lei Estadual 11.140/2018, que instituiu o Código de Direito Animal na Paraíba. O professor citou como exemplos de maus-tratos definidos na Lei 11.140/18 engordar mecanicamente, zoofilia, abandono, prender animais atrás de veículos, cozinhar animais vivos, e exercitar tiro ao alvo.
Atuação do MP e aspectos econômicos e sociais
O promotor de Justiça que atua na área do meio ambiente de João Pessoa e que também funcionou como articulador do webinar, José Farias de Souza filho, deu uma aula (na opinião dos demais palestrantes) sob os enfoques da tutela coletiva sobre os direitos dos animais e sobre os aspectos econômicos e sociais que, geralmente, estão ligados às questões envolvendo o direito dos animais. Ele revisitou alguns dispositivos legais já citados pelos outros palestrantes, dando destaque ao Artigo 127 da CF, que atribui ao Ministério Público as funções institucionais de promover privativamente a ação penal pública, de zelar pelos direitos assegurados na Constituição e de promover o inquérito e ação civil pública na área de meio ambiente. Em resumo, ele lembrou o arcabouço para atuação específica do MP relacionada à proteção animal.
Farias também citou a Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e a Lei 7.804/89, que tipifica o crime de quem atenta contra a incolumidade humana, animal ou vegetal, estabelecendo penas. Ele citou como um retrocesso a mudança na Constituição Federal para incluir a utilização de animais em eventos de manifestação cultural, argumentando que várias outras práticas que um dia foram consideradas "culturais", a exemplo da queima de plantações, foram proibidas em favor da sustentabilidade, pois exaurem e provocam danos.
A cultura de ganhar dinheiro cometendo crimes
Para o promotor de Justiça, criticou a permissão das vaquejadas, por exemplo, sob o argumento de que é uma atividade econômica que emprega muita gente: “O tráfico de drogas e de armas também ‘emprega’ muita gente, mas nenhum brasileiro em sã consciência defende sua regularização. Pessoas ricas ou ‘bem vididas’ são as que participam, promovem e ganham dinheiro e, por isso, temos enfrentado tanta dificuldade de erradicar essa ‘cultura’, ajustando a lei a um comportamento ambientalmente , ecologicamente, eticamente, culturalmente e politicamente desajustados. Não pode sobrar apenas a atividade econômica para justificar essa prática criminosa”.
José Farias também convocou toda a sociedade para uma mudança de comportamento e para trabalhar junto ao Ministério Público e às entidades de proteção animal, argumentando que “o poder político é do povo” e que não é possível aceitar que “pessoas ganhem dinheiro cometendo crimes”. Ele lembrou que a Lei 11.140/2018 cita mais de 50 ações ou omissões caracterizadas como maus-tratos a animais e que para erradicá-las é preciso mais do que leis, mas a conscientização e a sensibilização das pessoas. Sobre isso, ele convocou a cada um participante do webinar ou que veriam o vídeo mais tarde, que se tornassem multiplicadores e trabalhassem nos seus grupos sociais a questão do direito animal com afetividade.
Atenção à saúde animal
O médico veterinário Jeann Leal de Araújo falou da necessidade de políticas públicas na área de saúde animal, tanto na atenção básica, quanto em atendimentos especializados. Ele disse que os hospitais veterinários, como o mantido pela Universidade Federal da Paraíba, no município de Areia, do qual faz parte, oferecem gratuitamente os dois tipos de assistência. Ele disse que, assim como ocorre com o paciente humano, a atenção básica é a porta de entrada dos usuários do Sistema Único de Saúde, que não dispõem de recursos para pagar por atendimento particular.
Jeann falou da atuação do médico veterinário, de acordo com a Lei 5.517/1968, e também lembrou que a política do SUS já prevê a atenção à saúde animal. A Portaria 2.488/2011, por exemplo, inclui a atividade profissional no Nasf - Núcleo Ampliado de Saúde da Família. O médico reforçou, no entanto, que ações nessa área geram custos e que é preciso pensar políticas públicas de organização e transferência de recursos, de capacitação e gestão e de envolvimentos dos médicos veterinários.
O médico salientou ainda que o desequilíbrio ambiental faz com que animais que vivem em matas e florestas avancem para as cidades, levando consigo doenças, algumas delas gravíssimas e transmissíveis aos humanos, a exemplo da raiva. Por isso, ele defende o conceito de saúde única, que integra a saúde humana e animal, protegendo a todos e que preveja cuidados preventivos a animais, como exames periódicos, exercícios físicos, controles de endoparasitas e ectoparasitas, imunização, dieta adequada, e gestão da reprodução. Jeann Leal mostrou o trabalho desenvolvido no Hospital Veterinário da UFPB em Areia e um projeto de educação ambiental de conservação da fauna silvestre, desenvolvido na região.