MPPB faz audiência sobre políticas públicas para população LGBTQIAPNB+
As secretarias de Saúde do Estado da Paraíba e do Município de João Pessoa deverão apresentar ao Ministério Público da Paraíba (MPPB), no prazo de 15 dias úteis, o calendário de capacitação dos profissionais de saúde para o atendimento à população LGBTQIAPNB+. Já a Gerência de Ressocialização da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária deverá informar o fluxo de apoio referente às mulheres trans egressas do sistema prisional. Esses e outros encaminhamentos são o resultado da audiência pública promovida pela 46ª promotora de Justiça de João Pessoa, Fabiana Lobo, nessa quinta-feira (30/11), para tratar de políticas públicas destinadas à população LGBTQIAPNB+, na capital.
A audiência foi realizada no auditório da Promotoria de Justiça, no centro de João Pessoa, com o apoio da 1ª subprocuradora-geral de Justiça, Vasti Cléa Lopes, que representou o procurador-geral de Justiça. O evento teve a adesão e participação de representantes de diversas entidades e ONGs que atuam na defesa dos direitos da comunidade LGBTQIANPB+ no município e no Estado, como Movimento do Espírito Lilás; Associação de Pessoas Travestis e Transexuais da Paraíba; Candaces-PB; Movimento Negro; Instituto Brasileiro de Transmasculinidades; Coletive Não-Binárie, Iguais LGBT, Coletivo de Homens Trans do Estado da Paraíba; Cordel Vida, dentre outros.
Também participaram a secretária executiva de Saúde do Estado, Renata Nóbrega, representantes da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa (SMS-JP), da Secretaria Estadual da Mulher e da Diversidade Humana; da Coordenadoria de Promoção à Cidadania LGBT e Igualdade Racial, Procon Estadual, pesquisadores da FioCruz e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e, do gabinete da deputada estadual, Cida Ramos, representando a Assembleia Legislativa do Estado (ALPB).
Reivindicações
Conforme explicou a promotora de Justiça Fabiana Lobo, a audiência pública integra o Procedimento 002.2023.050733, instaurado para acompanhar as políticas públicas destinadas à população LGBTQIA+, no município. Isso porque, de acordo com integrantes dos movimentos sociais, esse público tem sofrido, constantemente, violações de direitos. “A audiência teve como foco principal a área da saúde, mas também foram discutidas as garantias constitucionais, de modo geral. Uma das principais reclamações diz respeito à falta de capacitação dos profissionais da saúde pública para o acolhimento e atendimento da população LGBTQIAPNB+, de forma que essa população deixa de ir às Unidades Básicas de Saúde, com receio de sofrer discriminação, preferindo o atendimento no Ambulatório TT (para Travestis e Transexuais) de João Pessoa e Campina Grande, serviços que também apresentam problemas, como a ausência de equipe multiprofissional, de médicos ginecologistas e urologistas, de fonoaudiólogo etc”, disse.
Outros problemas abordados na audiência foram: a irregularidade no fornecimento de hormônios destinados à população trans e travestis; a não realização de cirurgias de retirada de silicone industrial em mulheres trans e travestis na Paraíba (muitas se submetem a esse procedimento porque não conseguem acesso a serviços e insumos de qualidade), bem como de tratamento de sequelas decorrentes desses procedimentos; a não realização de cirurgias de tireoplastia em mulheres trans e travestis e de implantação de prótese de silicone; a não realização de procedimento de remoção de pêlos faciais de mulheres trans e travestis, mediante uso de laser; a dificuldade de acesso a serviços de saúde mental, para tratamento psicológico; a falta de medicamentos para pessoas com HIV/Aids e a dificuldade de aquisição, nas farmácias no Município de João Pessoa, dos hormônios Durateston e Deposteron.
Também foram discutidos o descumprimento da Lei Estadual 10.895 2017 (“Lei do Cartaz”, que adverte que a discriminação por orientação sexual e gênero é crime); a inexistência de Casa de Acolhimento Municipal para esse público (só existe um equipamento estadual) e a subnotificação do número de mortes de mulheres trans e travestis na Paraíba. Isso porque, no registro do óbito, os serviços públicos desconsideram a redesignação de gênero da vítima.
Gestores
Na ocasião, a secretária de Saúde do Estado pontuou que a responsabilidade pela saúde da população LGBTQIAPNB+ é das três esferas administrativas (União, Estado e Municípios). Disse que as campanhas publicitárias sobre o HIV serão organizadas e que os medicamentos para hepatite e para o vírus da Aids são de responsabilidade do Ministério da Saúde e que 29 municípios paraibanos recebem o repasse para a compra desses medicamentos.
Disse ainda que os problemas de saúde decorrentes do uso de silicone industrial poderiam ser tratados com a estruturação no Hospital Clementino Fraga; que o ginecologista do Ambulatório TT de João Pessoa terá agenda fixa a partir de janeiro do próximo ano; que as cirurgias de mastectomia e a histerectomia vêm sendo realizadas de forma organizada e ressaltou que a atenção primária precisa realizar capacitação para atendimento ao público.
Já o representante da SMS-JP informou que haverá formação das equipes de saúde das 98 UBSs de João Pessoa e que a secretaria construirá, no primeiro trimestre de 2024, um local para atender o público LGBT.
O representante da Coordenadoria de Promoção à Cidadania LGBT e Igualdade Racial do Município, por sua vez, afirmou que o órgão oferece serviços de psicologia clínica e ginecologia em parceria com uma faculdade particular de Medicina e pelo CAIS Jaguaribe, que oferta exames citopatológicos todas as quartas-feiras exclusivamente para mulheres e homens trans, gays e lésbicas, com material específico para a população.
Também informou que houve capacitação da Guarda Municipal e que, em 2024, serão capacitados 1.300 funcionários do setor de transporte público sobre o atendimento ao público LGBTQIAPNB+. Disse ainda que será realizada reunião com o prefeito, com o secretário de Gestão Governamental e com a Secretaria Estadual da Mulher e da Diversidade Humana (SEMDH) para tratar sobre a Casa de Acolhida Municipal para o público LGBT.
Já o representante do Procon Estadual disse que a Lei Estadual do Cartaz (Lei n 10.895/17) vem sendo fiscalizada, regularmente, com autuação e aplicação de multa aos estabelecimentos que não cumprem a norma.
O representante da SEMDH, por sua vez, disse que a implantação do Ambulatório TT, no município de Sousa, já está em fase de conclusão e que há previsão de implantação, no município de Patos, de outra Casa de Acolhida, e em Cajazeiras, do Centro de Referência de Média Complexidade para o público LGBT. Informou ainda que a Patrulha Maria da Penha atende mulheres trans e que há política de acolhimento de mulheres trans vítimas de violência doméstica.
Compromisso institucional
A 1ª subprocuradora-geral de Justiça, Vasti Cléa Lopes, destacou o compromisso institucional do MPPB com a causa e os direitos da população LGBTQIA+. “Nossa missão é fazer com que os direitos garantidos na Constituição sejam efetivados e vocês possuem esses direitos, esses direitos devem chegar até vocês. Parabenizo a todos pela luta, pela resistência tão bonita, apesar de ser, nós sabemos, um caminhar difícil e sofrido. Vocês têm feito essa resistência, esse caminhar e têm promovido e provocado, inclusive a nós, como instituição. O compromisso institucional, do nosso procurador-geral, que aqui eu represento nesse momento, é o de se engajar nessa luta, cada vez mais. A porta do Ministério Público estará sempre aberta para vocês, porque essa é a casa da cidadania, de todas as pessoas, de toda a raça humana. Estamos aqui para ouvir, para sermos pautados por vocês, para conhecer melhor essa luta e para nos direcionarmos em como melhor a gente pode defender esses direitos garantidos pela Constituição”, disse.
A promotora de Justiça Fabiana Lobo aproveitou a ocasião para informar aos representantes dos movimentos as providência já adotadas em outro procedimento (o de número 002.2023.055853), instaurado para acompanhar as políticas públicas para a população trans da Paraíba e cujo objeto são os mesmos problemas apresentados na audiência pública. Segundo ela, foram expedidos os ofícios número 581, destinado à SES-PB (pedindo informações sobre a ausência de equipe multidisciplinar completa nos ambulatórios TTs de João Pessoa e Campina Grande, notadamente de médicos ginecologistas, urologistas, assim como de fonoaudiólogos e outros profissionais; sobre a realização de cirurgias de retirada de silicone industrial em mulheres trans e travestis na Paraíba, bem como de tratamento de sequelas dele decorrentes; sobre a realização de cirurgias de tireoplastia em mulheres trans e travestis na Paraíba; sobre a realização de cirurgias para implantação de prótese de silicone em mulheres trans e travestis; sobre a realização de procedimento de remoção de pelos faciais de mulheres trans e travestis mediante uso de laser e sobre o andamento do pregão para aquisição de hormônios destinados à população trans e travestis); número 583, destinado à Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana (para esclarecer sobre a subnotificação do número de mortes de mulheres trans e travestis na Paraíba; sobre a implantação de Ambulatório TT no Sertão do Estado e sobre a realização de capacitações continuadas das equipes de saúde das redes públicas estadual e municipal, em parceria com a SES-PB, para acolhimento da população LGBTQIAPNB) e número 584 destinado à Coordenação Municipal de Promoção da Cidadania LGBT e da Igualdade Racial de João Pessoa (para prestar informações sobre o projeto de implantação de Casa de Acolhimento Municipal LGBTQIAPNB+ e sobre a realização de capacitações continuadas das equipes de saúde municipal, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde, para acolhimento da população LGBTQIAPNB+). Todos estão no prazo de envio de resposta.
Novos encaminhamentos
Em relação ao que foi debatido na audiência pública também ficou deliberado que a SES-PB deverá informar, no prazo de 15 dias úteis, a possibilidade de realização de levantamento de dados, através do Sistema Informe-SUS, sobre a população não-binária do Estado Paraíba.
Tanto a SES-PB como a SMS-JP também deverão informar, no mesmo prazo, se os serviços de suas redes que realizam exames citológicos dispõem de espectros nos tamanhos PP e P destinados à população de mulheres lésbicas e de homens trans. Caso positivo, deverá dizer se há recomendação para que os profissionais de saúde utilizem o instrumento adequado a essa população.
O Procon Estadual, por sua vez, terá o mesmo prazo para informar o número de autuações realizadas, no período de janeiro de 2022 a novembro de 2023, pelo descumprimento da Lei Estadual do Cartaz (Lei nº 10.895/2017), esclarecendo o valor total das multas aplicadas e a destinação desses recursos.