MPPB, MPF e MPC promovem evento sobre liberdade e diversidade religiosas

Encontro marca entrega do pedido de registro da Jurema Sagrada como patrimônio imaterial do Brasil e reforça importância da preservação da diversidade religiosa
O Ministério Público da Paraíba (MPPB), o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público de Contas, em parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Plataforma Pedro Américo de Defesa do Patrimônio Cultural, realizaram um evento voltado à liberdade religiosa e à proteção do culto da Jurema Sagrada. O encontro ocorreu no auditório do Ministério Público, localizado no município de Alhandra, cidade reconhecida como berço da tradição juremeira.
A iniciativa aconteceu na última sexta-feira (5/09) e contou com a presença de representantes dos ramos do Ministério Público, do Iphan, da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, além de lideranças políticas, religiosas, agentes culturais, professores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) com atuação no curso de ciência das religiões, membros da sociedade civil e dirigentes, fiéis da Jurema Sagrada na Paraíba e representante da Arquidiocese da Paraíba. Os participantes debateram a liberdade religiosa enquanto ação necessária para efetivação de direitos humanos e reforçaram a importância do reconhecimento e da salvaguarda de religiões de matriz afro-indígena.
O encontro marcou também a entrega oficial do pedido de registro da Jurema Sagrada como patrimônio imaterial do Brasil junto ao Iphan. A solenidade abriu espaço para a escuta das comunidades de terreiro e incluiu a exibição do curta-metragem “Axé, Meu Amor”, dirigido por Thiago Costa.
O encontro foi considerado um marco na defesa da liberdade religiosa e no processo de valorização e preservação da Jurema Sagrada. A iniciativa fortalece a preservação da memória, da identidade e da fé dos povos de terreiro, garantindo respeito e proteção às diversas práticas religiosas, além de ser um passo importante na defesa da diversidade cultural e no enfrentamento à intolerância.
Combate à intolerância
A coordenadora do Centro de Apoio Operacional em matéria da Cidadania e Direitos Fundamentais do MPPB, a promotora de Justiça Anne Emanuelle Costa, disse que “eventos como este são de suma importância para fortalecer a atuação do Ministério Público no combate à intolerância religiosa e reforçar o nosso compromisso, enquanto instituição, com a liberdade de expressão em todos as suas nuances.
Já a promotora de Justiça de Alhandra, Érika Bueno Muzzi, o encontro representa um marco significativo para o fortalecimento da tradição juremeira. “É um evento muito importante, que reforça a identidade e a cultura da Jurema e é um passo muito importante para o seu reconhecimento, finalmente, como patrimônio histórico nacional”.
A 46ª promotora de Justiça de João Pessoa, Fabiana Maria Lobo da Silva, por sua vez, destacou que foi instaurado procedimento para acompanhar as medidas necessárias para o tombamento administrativo da religião da Jurema Sagrada, dada a extrema relevância histórica e cultural para a Paraíba. “Nosso Estado é reconhecido internacionalmente como berço dessa religião afro-indígena, símbolo de aliança entre a espiritualidade e a natureza. A proteção da Jurema por ato administrativo, visto que já tombada legislativamente, também é meio de combate à intolerância religiosa, ao racismo religioso, ainda tão presente nos dias atuais”, argumentou a representante do MPPB.
Racismo religioso
A procuradora regional dos Direitos do Cidadão, Janaína Andrade de Sousa, ressaltou que o evento de escuta coletiva reforça o papel da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC) na proteção e promoção da diversidade cultural e religiosa, garantindo que os povos de terreiro não sofram racismo religioso ou intolerância, assegurando o direito à liberdade de culto e à preservação das suas tradições.
“Na Paraíba, a Jurema foi oficialmente registrada como patrimônio imaterial do estado, por meio da Lei 13.760, sancionada no dia 16 de julho de 2025. Há também o tombamento de bens materiais como a propriedade do Acais, que abriga a capela de São João Batista e o túmulo do Mestre Flósculo. Esses locais, junto ao sítio Estivas, foram tombados em 2015 como patrimônio material da Paraíba pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (Iphaep), contudo, os espaços foram alvos de intolerância religiosa, com cortes de árvores sagradas para os juremeiros. Apesar do reconhecimento oficial, os praticantes ainda enfrentam discriminação, racismo religioso e violência simbólica, sendo necessária ainda atuação constante do poder publico. O registro do culto da Jurema Sagrada como patrimônio imaterial nacional se constitui em medida relevantíssima para salvaguardar e dar mais visibilidade e respeito a essa expressão cultural e religiosa que faz parte da história e formação social do Brasil”, explicou.
O procurador-geral do MP de Contas, Marcílio Franca, destacou que o Estado brasileiro tem a obrigação constitucional de assegurar o livre exercício dos cultos religiosos e garantir a proteção dos locais de culto e suas liturgias, sem favorecer ou perseguir qualquer manifestação religiosa. “A nossa Constituição, além do mais, assegura o direito de todas as pessoas ao pleno exercício dos direitos culturais e determina que o Estado apoie e incentive a valorização e difusão das manifestações culturais. A presença do Ministério Público de Contas no evento desta tarde representa o nosso firme compromisso para que esses comandos constitucionais se convertam em políticas públicas e investimentos que fortaleçam o diálogo multicultural, o respeito mútuo e a tolerância”, defendeu.
Reconhecimento histórico
O superintendente do Iphan na Paraíba, Emanuel Barros, lembrou a longa trajetória da luta pelo reconhecimento.“Estamos muito felizes aqui na Promotoria de Justiça de Alhandra, um espaço muito simbólico para receber a documentação necessária para a abertura do registro dos lugares sagrados da Jurema como patrimônio cultural do Brasil. Essa é uma articulação de muitos anos, quase uma década, envolvendo os terreiros mais antigos de Alhandra, junto com associações de juremeiros, do candomblé e da umbanda. Esse é um dos bens culturais que mais mereciam esse reconhecimento, até porque se trata de uma luta grande contra a intolerância religiosa e contra uma violência que, muitas vezes, vem até do próprio Estado e da sociedade. A Jurema é anterior aos contatos coloniais, é a nossa ancestralidade desse território paraibano”, disse.
A gerente executiva de Equidade Racial, Jadiele Cristina Berto da Silva, representante da Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, também reforçou o caráter de resistência e de contribuição social da Jurema Sagrada. “A Jurema Sagrada está compreendida dentro de uma categoria do governo federal enquanto comunidade tradicional. A partir disso, já se reconhece a potência dessa expressão religiosa, dessa coletividade, na sua produção material e imaterial. Caminhando nesse sentido, oficializar a Jurema Sagrada enquanto patrimônio imaterial da sociedade é deixar registrada a resistência dessa expressão religiosa frente aos diversos tipos de apagamento, silenciamento e opressão histórica sofrida”, defendeu.
Já o professor da UFPB, Stênio Costa, que na ocasião também representou o Ministério da Cultura, ressaltou a dimensão cultural mais ampla do pedido de registro da Jurema Sagrada como patrimônio imaterial. “Hoje é um dia muito especial para a cultura paraibana e para as comunidades dos povos de terreiro. O movimento social que entrega o pedido de registro da Jurema Sagrada como patrimônio cultural é uma demanda antiga, que não se restringe à manifestação religiosa em si, mas abrange outras práticas culturais relacionadas, como cocos de roda, cirandas, modos de preparar alimentos, proteção ao meio ambiente e justiça climática. O registro é, portanto, um reconhecimento de uma cultura religiosa que é fundamental para a preservação do meio ambiente, das tradições e da posteridade daquilo que a gente tem pra apresentar às próximas gerações”.
A ialorixá Mãe Renilda destacou a importância da união entre Estado e comunidade. “Esse evento vem trazer uma reafirmação da nossa luta, da nossa importância nesse espaço, de poder da nossa Jurema Sagrada. A maior importância é termos justamente o poder público junto conosco, para nos acolher e fortalecer essa luta que é tão grande com respeito à nossa Jurema Sagrada”.
Curta-metragem
Durante a solenidade, o cineasta e praticante da Jurema, Thiago Costa, apresentou seu filme que retrata o cotidiano da Jurema Sagrada e explicou que a obra foi uma forma de contribuir artisticamente e dar visibilidade sobre a importância do culto no contexto nacional. “O evento de hoje tem uma importância fundamental na legitimação e na luta dos povos de terreiro e, sobretudo, da Jurema Sagrada, na contribuição de nossos direitos e nossas necessidades para levar adiante a fundamentação da Jurema como patrimônio imaterial, que é uma religião indígena muito importante para o povo paraibano”.
O representante da Arquidiocese da Paraíba, Pe. Euclides Franklin Marinho Rodrigues, destacou que a fé professada por cada um deve unir e não dividir.
Alhandra: guardiã da tradição da Jurema Sagrada
O município do Litoral sul da Paraíba consolidou-se como o "berço da Jurema Sagrada". A Jurema Sagrada, uma das mais antigas expressões religiosas de matriz indígena do Brasil, é uma tradição religiosa do Nordeste brasileiro. O culto surgiu como uma forma de religiosidade própria, ligada aos povos indígenas como os Tabajara, Canindé, Xucurú e Kariri. Baseia-se no uso ritual da jurema-preta (Mimosa tenuiflora), árvore nativa que dá origem à bebida considerada meio de contato com os Encantados, entidades espirituais da tradição. Presente em rituais com cânticos, danças e tambores, a Jurema Sagrada é reconhecida como expressão de resistência, ancestralidade e identidade cultural nordestina.