“O desafio de um Estado republicano é estar um passo à frente do crime organizado”. Essa foi uma das mensagens da desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivana David, especialista em crime organizado no País, na palestra que ministrou no seminário “Focco na Integridade: o combate à influência do crime organizado na Administração Pública e nas eleições”, promovido pelo Fórum Paraibano de Combate à Corrupção nessa terça-feira, em comemoração ao Dia Internacional contra a Corrupção (9/12).
O evento aconteceu no auditório do edifício-sede da Procuradoria-Geral de Justiça, em João Pessoa e também contou com palestras do delegado e coordenador da Inteligência da Polícia Civil da Paraíba, Gaudêncio Jerônimo de Souza Neto; do jornalista da Revista Piauí/UOL, Allan de Abreu Aio, e do coordenador do Grupo de Atuação Especial contra o Crime Organizado (Gaeco/MPPB), o promotor de Justiça Octávio Paulo Neto. De acordo com eles há uma relação intrínseca entre a criminalidade organizada e a corrupção, um problema grave, que enfraquece o Estado e requer uma atuação integrada dos órgãos de investigação e persecução penal.
Abertura
O seminário foi aberto pelo procurador-geral de Justiça, Leonardo Quintans, que destacou a importância do evento e reiterou que o enfrentamento ao crime organizado é uma das prioridades de sua gestão. “É uma satisfação enorme estar aqui, no dia 9 de dezembro, para discutir integridade e, junto do Focco, participar deste evento dedicado a um tema que ocupa o centro das atenções. A corrupção enfraquece o poder público. Combatê-la, hoje, significa entender como o crime organizado se articula, inclusive no sistema eleitoral. O projeto ‘Focco na integridade’ nasce com a missão clara e necessária: promover o debate sobre a ética, o combate à criminalidade e à corrupção, fortalecendo a cultura da honestidade. Que este evento seja um espaço de reflexão e aprofundamento de conhecimentos e que possamos sair daqui com compromissos renovados em defesa da integridade e do patrimônio públicos”, disse.
Além de Quintans, compuseram a mesa de abertura do seminário o corregedor-geral do MPPB, Francisco Sarmento; a auditora de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado e coordenadora do Focco, Chrystiane Pessoa; a presidenta da Associação Paraibana do Ministério Público (APMP), a promotora de Justiça Adriana França, e o secretário-chefe da Controladoria-Geral do Estado da Paraíba, Letácio Guedes Júnior.
A coordenadora do Focco ressaltou o compromisso ético e a dedicação profissional dos integrantes do Fórum. Também defendeu que o enfrentamento “de tudo o que ameaça o interesse público” (como a corrupção e o crime organizado) requer a atuação integrada dos órgãos de controle do Estado. “É uma grande alegria abrir este seminário, especialmente este ano, quando o Focco-PB, que foi pioneiro no Brasil, completa 20 anos de existência. Nesse período, aprendemos como a integridade não é apenas um conceito; é uma prática diária”, disse.
A presidenta da APMP, por sua vez, falou da importância do seminário que integra a programação da Semana do Ministério Público. “A integridade pública não é apenas uma palavra de ordem; é o alicerce do Estado democrático de direito. Que este evento sirva para reafirmar nossos laços e aprimorar nossos métodos para o enfrentamento da corrupção e do crime organizado”, falou.
Após a abertura do evento, foi exibido um vídeo sobre os 20 anos de existência do Focco-PB.
Palestras
O seminário teve como mediadores os promotores de Justiça do MPPB coordenadores dos centros de Apoio Operacional em matéria criminal (CAOCrim) e do Patrimônio Público, Uirassu Medeiros e Arthur Magnus Araújo, respectivamente.
Os palestrantes apresentaram o conceito de crime organizado e destacaram marcos legais sobre a matéria, como a Convenção de Palermo (tratado internacional para combater o crime organizado transnacional, focando na cooperação entre países para a prevenção, repressão e punição de crimes como tráfico de pessoas, lavagem de dinheiro, corrupção etc); o Tratado de Medellin (relativo à transmissão eletrônica de pedidos de cooperação jurídica e judiciária internacional entre autoridades centrais, agilizando investigações e ações penais contra o crime organizado e terrorismo), a Lei 12.850/2013 (Lei Brasileira de Organização Criminosa) e o Projeto de Lei 5.582/2025 (conhecido como “PL Antifacção”), em tramitação no Congresso Nacional.
Também fizeram uma abordagem histórica e apresentaram o cenário atual das organizações criminosas (Orcrims) no Brasil e no contexto internacional. Segundo eles, as facções surgiram no sistema prisional brasileiro, na década de 1990, com a criação do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho. Atualmente, existem cerca de 90 facções criminosas no Brasil, 88 com atuação nacional e duas delas com atuação internacional. Estima-se elas movimentem 1,8 bilhões de dólares. “Temos visto um avanço significativo do crime organizado no Nordeste, que as facções têm apresentado um perfil empresarial e se infiltrado no poder político. Esse evento é uma iniciativa muito importante porque as pessoas têm que prestar atenção em um problema que vem acontecendo em todo o País: o avanço das facções criminosas”, disse o jornalista da Revista Piauí.
Complexidade
A complexidade do crime organizado, suas ramificações nas mais diversas áreas e serviços foram alguns dos assuntos destacados pelos palestrantes. Segundo eles, “é preciso mudar o olhar sobre o crime organizado e o faccionado” e entender que hoje o tráfico de drogas não é mais a principal atividade das Orcrims, que elas estão atuando em serviços como internet; transporte público; na falsificação de medicamentos, cosméticos, acessórios; no tráfico de crianças; em crimes digitais; lavagem de dinheiro; roubo de cargas; contrabando de vidas selvagens e no setor de combustíveis.
Também não estão apenas em comunidades periféricas, mas em áreas elitizadas como a “Faria Lima”, conforme evidenciou a “Operação Carbono Oculto”, deflagrada no último mês de novembro, revelando um esquema de lavagem de dinheiro bilionário ligado à facção criminosa PCC, envolvendo o setor de combustíveis e o “coração financeiro” de São Paulo.
O monopólio da violência, o domínio territorial e a aproximação e até infiltração do crime organizado na política e no processo eleitoral também foram questões relevantes discutidas pelos palestrantes. “O que temos visto no Brasil como um todo são acordos (entre políticos e as Orcrims). A política perdeu, infelizmente, a vergonha e muitos agentes públicos têm sentado com faccionados para tratar de votos e plataformas políticas. Com faccionado não se senta, não se negocia!...Verificamos também que, além do domínio territorial, há o monopólio da violência, fato característico de quase todas as facções. Temos 23 milhões de pessoas que vivem em regiões dominadas por facções criminosas”, disse o coordenador do Gaeco.
Enfrentamento
Todos os palestrantes defenderam que uma das principais estratégias para enfrentar e combater a criminalidade organizada no País é “a asfixia financeira” das Orcrims. Defenderam ainda o uso da inteligência, de câmeras corporais, a racionalização organizacional de recursos, o controle de insumos químicos e a formação policial, dentre outras medidas.
Também houve consenso sobre a importância da atuação integrada entre órgãos de investigação e persecução penal. Sobre o assunto, o delegado da PC da Paraíba falou sobre as operações realizadas no Estado para combater o Comando Vermelho. Segundo ele, o trabalho foi resultado da cooperação entre a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco) e o Gaeco. “A atuação integrada entre inteligência policial, investigação qualificada e atuação estratégica do Ministério Público permite mapear redes criminosas complexas, desarticular estruturas ilícitas e neutralizar ameaças à ordem social”, disse Gaudêncio.
Outros assuntos tratados no seminário foram a devida investigação criminal prévia, constitucional e legalmente produzida e a Recomendação CNJ sobre investigação da PM; os meios de obtenção de provas típicos e atípicos (como a colaboração premiada, interceptação de comunicações, ação controlada, quebra de sigilo fiscal, busca e apreensão etc) e cadeia de custódia de provas para que não haja nulidades.
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