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Retorno às aulas presenciais deve priorizar pedagogia da escuta e relações horizontalizadas e democráticas

A pedagogia da escuta, a criação de espaços democráticos e a horizontalidade das relações entre estudantes e educadores devem estar presentes nas escolas no retorno às aulas presenciais, no contexto da pandemia de covid-19. Essa foi uma das orientações repassadas durante o webinar “Justiça Restaurativa e o retorno às aulas presenciais”, promovido, nesta sexta-feira (6/11), pelo Ministério Público da Paraíba.

O MPPB convidou especialistas, profissionais vinculados à educação e cidadãos interessados no tema para discutir estratégias de acolhimento que devem ser adotadas na comunidade escolar, levando em consideração o fato de que educadores, estudantes e pais estão retornando à rotina escolar abalados psicologicamente, seja pelo longo isolamento social ou pelas perdas de pessoas próximas. Participantes concordaram que diálogo, escuta e construção de espaços restaurativos - quebrando os modelos de sociedade adultocêntrica e patriarcal - são, mais do que nunca, necessários para o sucesso escolar, do ponto de vista pessoal e funcional.

O encontro virtual foi aberto pela promotora de Justiça, Juliana Couto, coordenadora do Centro de Apoio às Promotorias da Criança e do Adolescente e da Educação e mediado pela pedagoga do MPPB, Valuce Alencar, que falou sobre a importância do acolhimento dos professores e alunos; da importância de relações democráticas e de práticas norteadas pela filosofia da Justiça restaurativa nas unidades de ensino, destacando a experiência adquirida, ao longo de dez anos, com a implementação do projeto “Na escola com respeito”, do MPPB.

Juliana Couto agradeceu aos palestrantes que atenderam ao convite do CAO-CAE (Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Criança e do Adolescente e da Educação); ao Ceaf (Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional do MPPB), pela logística do evento, e ao público participante (cerca de 150 pessoas assistiram ao evento pelo Zoom e YouTube), composto de promotores de Justiça e servidores do Ministério Público, secretários e profissionais da área da educação, formadores de justiça restaurativa e outros interessados na temática. Juliana explicou que o webinar foi resultado do projeto institucional desenvolvido pelo MPPB, “Na escola com respeito” e falou do seu funcionamento inicial e como está se transformando em um programa de justiça restaurativa, no Estado, que ganha um sentido maior nesse momento atípico causado pela pandemia e pelo retorno às aulas presenciais.

A promotora de Justiça destacou que essa postura é necessária para não resvalar em novas violências e para que as escolas se tornem espaços de apoio, de acolhimento, de inclusão e de formação de cidadãos emancipados e autônomos dotados de autoestima, na construção de uma comunidade restauradora com impacto direto na formação da aprendizagem e de um ambiente propício para o desenvolvimento integral das pessoas. “O projeto nasceu em decorrência das demandas formais e da escuta informal de um repertório de queixas e narrativas que aportavam cotidianamente nas promotorias de Justiça de todo o Estado, referindo a respeito de atos de indisciplina e infracionais praticados nas escolas, e a partir da constatação de que os métodos tradicionais de resolução de conflitos não vinham surtindo efeito no sentido de restaurar a paz e a harmonia no ambiente escolar”, disse, explicando que a terceirização de conflitos para o poder judiciário e o sistema de segurança pública também não surtia efeito e ainda gerava intimidações, evasão e abandono escolar.

Segundo Juliana Couto, foi necessário a construção de novas estratégias e modelos baseados na metodologia da justiça restaurativa, de modo a permitir uma construção coletiva para soluções de conflitos, pautada em valores como respeito, dignidade, igualdade e responsabilidade, com o fomento de troca de ideias para uma melhora na vida pessoal e funcional dos estudantes impactando de forma decisiva o processo de ensino-aprendizagem. Diante disso, o MPPB implantou o projeto, capacitando profissionais da educação para a prática. Mas, com o passar dos anos, e as mudanças nos quadros de pessoal, os resultados foram se perdendo e, por isso, agora, o “Na escola com respeito” está apostando na criação de um programa de formação permanente, de forma que os avanços não sofram descontinuidade, formatando a implementação de ações por meio de leis nos municípios e no Estado, propiciando a aplicação permanente de práticas restaurativas no ambiente escolar.

Recepção de alunos nos espaços possíveis de convivência

O promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Antonio Carlos Ozório Nunes, começou sua palestra dizendo da satisfação de falar ao público paraibano e agradeceu pelo convite para refletir sobre um assunto tão importante, no qual tem apreço, experiência e atuação. O palestrante destacou as dificuldades do momento vivido por uma sociedade dividida, no auge de uma pandemia, sem perspectiva de uma vacinação em massa a curto prazo e de uma iminência de uma segunda onda de infeção.

Dizendo isso, ele levou os participantes a refletirem sobre a angústia vivida e destacou que ela é muito maior em crianças e adolescentes, que precisam de mais interação e que já convivem pouco em ruas e espaços públicos, pela inexistência deles no dia a dia. “O espaço de convivência ainda possível para eles é o espaço da escola que ainda está fechada. Esse processo de recepção da criança e do adolescente precisa ser feito com cuidado muito especial. Os efeitos do longo período de isolamento são evidentes”, ressaltou.

Também lembrou a situação de meninos e meninas das periferias, que não estão tendo acesso a equipamentos, Internet e espaços para dar continuidade ao aprendizado remotamente. Ele ponderou que, mais do que nas classes mais privilegiadas, essa exclusão impacta diretamente na saúde mental dos envolvidos. “A recepção desse público deve ser feita com carinho e cuidado redobrado, o que é difícil, porque os professores também estão precisando de cuidados e têm que lidar com novos desafios, como o ensino híbrido, aulas virtuais e presenciais; as atividades colaborativas e individuais. É desafiador para educadores e gestores analisarem essa complexidade que vai chegar nas escolas e como lidar com tudo isso”, disse, contextualizando a prática educativa nesse contexto de pandemia.

O promotor de Justiça defendeu novas formas de lidar e olhar para as crianças e adolescentes, inclusive, rompendo com os modelos autoritários de uma sociedade patriarcal, que tem dificuldades de trabalhar com relações horizontalizadas. Segundo ele, vivemos em um país de autoritarismo, de desigualdades, numa sociedade adultocêntrica e patriarcal e os educadores terão que mudar isso e trabalhar com relações horizontalizadas, porque isso já é uma exigência do novo mundo da pedagogia, que não admite mais aquela escola da sociedade industrial, de cadeiras enfileiradas, de alunos decorando.

“Estamos numa sociedade ultraconectada, onde o conhecimento é imediato e obtido facilmente, onde o aprendizado é construído através de espaços integrados e de interações. É um desafio para o professor que não é valorizado e não tem a formação para trabalhar assim. Isso produz mais violência. O aluno não vai à escola por desinteresse, porque ele é descontextualizada de sua vida pessoal, de seu olhar para o futuro e o diploma não representa mais a possibilidade de uma vida melhor. Temos que aproveitar essa experiência da pandemia para arrumar novas formas de trabalhar. Minha experiência em educação me ensinou que a melhor forma de resolver isso é criando espaços democráticos nas escolas. Quanto mais democrática for, mais integralizadora será a escola. Isso é desafiador porque a democracia implica em participação de todos, em diálogo e implica em escuta e, infelizmente isso é muito trabalhoso”, afirmou, orientando aos educadores a estabelecerem no cotidiano escolar os círculos de diálogos, as rodas de conversa.

Bem-estar emocional

O psicólogo Paulo Moratelli - que também é delegado internacional para o Brasil da Sociedad Científica de Justicia Restaurativa (Espanha) e membro do Conselho Consultivo Global da Restorative Justice International (EUA) – falou sobre bem-estar emocional, destacando a importância das relações e como relacionamentos podem proporcionar felicidade aos indivíduos (sobre isso pontuou um estudo longitudinal realizado pela Universidade de Havard) e propôs, aos participantes, uma reflexão sobre como a estratégia e a filosofia da Justiça Restaurativa podem auxiliar no retorno às aulas no contexto atual de pandemia da covid-19. “Precisamos cuidar das nossas relações porque só assim poderemos passar por essa situação de uma forma melhor”, disse.

Moratelli apresentou conceitos, teóricos e estudos da área de Psicologia para tratar do assunto, como a teoria dos ‘Nove Afetos, de TomKins” (que fala sobre a existência de um sistema inato ao ser humano em que emoções fundamentais são comuns a todos os indivíduos e que podem ser divididas em neutras, positivas e negativas), a ‘Bússola da vergonha, de Narthonson’ (que fala sobre estratégias e possibilidades de reação ao sentimento da vergonha e humilhação, uma das emoções fundamentais negativas da reoria de TomKins), sobre a teoria da Ecosofia de Guattari e conceitos apresentados por Carl Rogers (como alteridade, empatia e congruência), por exemplo.

Em sua fala destacou-se a importância dada aos espaços dialógicos (que podem e devem ser feitos, inclusive, virtualmente). Segundo o palestrantes, é nesses espaços que proporcionam o diálogo entre as pessoas que os indivíduos podem aprender a como lidar com fragilidades e vulnerabilidades para que se tornar um ser autêntico e a como ressignificar o sentimento de vergonha e humilhação, valendo-se disso para aprender algo novo e evoluir (para isso é fundamental que as pessoas tenham bons relacionamentos e boa autoestima).

O psicólogo também falou sobre a importante da alteridade (do aceitar o outro do jeito que ele é), da empatia e da congruência nos espaços educacionais e defendeu que é preciso oferecer às crianças e adolescentes afeto e limite, ternura e rigor, apoio e controle. “O espeço dialógico tem que ser um espaço de conversa que tenha sentido, que permita as pessoas aprender e a dissuadir comportamentos inadequados”, acrescentou.

Segundo ele, a escola tem papel fundamental para que os indivíduos aprendam sobre autoconhecimento, sejam educados em valores humanos, aprendam a ter empatia e alteridade e para despertar sentimentos de inclusão e pertencimento, conceitos que são considerados um “antídoto à violência”.

O especialista finalizou sua participação falando sobre como a escola pode promover espaços dialógicos e de resssignificação. Sobre isso falou da importância de se reunir, primeiramente, toda a comunidade escolar (pais, alunos, famílias, professores, direção e funcionários) e fazer uma escuta qualificada e atenciosa sobre os anseios de todos.

Dentre as estratégias apresentadas para a promoção desses espaços no ambiente escolar estão a construção do senso de comunidade, acordos de convivência, acolhimento dos novos alunos, a inclusão de alunos com necessidades específicas, a prevenção ao bullying, o desenvolvimento do autoconhecimento, da autoestima, empatia, empoderamento, autonomia e alteridade, a educação em valores, liderança positiva e construtiva, direitos humanos, prevenção, mediação e transformação de conflitos, reinclusão e reintegração e tomada de decisões em consenso, dentre outros.

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