Programação sobre 14 anos da Lei Maria da Penha é encerrada com debate sobre violência, sexismo e racismo
Violência estrutural, racismo e sexismo foram os assuntos discutidos no segundo webinar promovido pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) nessa segunda-feira (24/08). O evento integrou e encerrou a programação de comemoração dos 14 anos da Lei Maria da Penha (Lei Lei 11.340/2006). Participaram do seminário online membros e servidores do MPPB, integrantes dos serviços da rede de proteção à mulher, acâdemicos e comunidade em geral.
O evento foi realizado pela Plataforma Zoom, com transmissão simultânea pelo YouTube. Aberto pelo diretor do Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional, o procurador de Justiça José Raimundo de Lima, o webinar teve como debatedora a promotora de Justiça titular da Promotoria de Defesa da Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar de João Pessoa e integrante do Núcleo Estadual de Gênero do MPPB, Rosane Araújo.
A representante do MPPB falou sobre os paradoxos da sociedade pós-moderna, que ainda convive com a herança da violência. “Esse webinar falou muito sobre a desigualdade, como valor estruturante de uma sociedade; do privilégio; da violência, enquanto força que naturaliza a desigualdade e permite a dominação masculina sobre a mulher e da equidade, um eixo que tanto se quer alcançar”, resumiu.
Ela também propôs uma reflexão sobre o machismo presente na linguagem, abordou a desigualdade de oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho, nas instituições e no meio corporativo e destacou a importância da Lei Maria da Penha no enfrentamento do fenômeno da violência contra a mulher, bem como de políticas e ações afirmativas para promover a igualdade de gênero.
Violência histórica e estrutural
A primeira palestrante do evento foi a professora universitária Ezilda Melo, que também é advogada com atuação na proteção de mulheres e autora de livros sobre a temática feminista. Ela fez um apanhado histórico sobre o processo de violência praticada contra a mulher, no mundo e no Brasil. Lembrou que nem todas as sociedades tiveram como parâmetro o patriarcalismo. “Sociedades antigas do Oriente tiveram o matriarcado, em que as mulheres tinham prestígio maior na sociedade”, contrapôs.
Segundo ela, a opressão contra a mulher ocorreu, do ponto de vista histórico, de forma continuada e violenta, perpassando inclusive o imaginário das sociedades. “Quando o Brasil começou a ser colonizado, a mulher entrou como elemento de subalternidade, apenas para dar continuidade à linhagem. Até hoje, estamos discutindo esse tipo de assunto. Em menos de 100 anos, se pegarmos o Código Civil de 1916 – que só foi atualizado em 2002 -, temos uma completa desvalorização da mulher, que é subjugada dentro da família pelo poder paterno e depois, pelo poder do marido”, exemplificou.
Ela também falou da violência como uma estrutura de opressão hierárquica de poder, da questão econômica da mulher, que, historicamente, sempre desempenhou atividades não remuneradas (como as atividades domésticas e o cuidado com os filhos, por exemplo) e que atualmente, enfrenta grande dificuldade para ocupar posições de chefia e liderança; depara-se com salários menores que homens que desempenham a mesma função e que, na pandemia, acabou sofrendo mais com o acúmulo de tarefas e com o desemprego. “Uma mulher desempregada e sem dinheiro fica mais refém e vulnerável à violência doméstica”, disse.
Racismo
A segunda palestrante, a professora da Universidade Federal da Paraíba, Francine Conceição da Silva, falou sobre a violência estrutural, com recorte de gênero e raça. Foi categórica ao afirmar que a sociedade brasileira é estruturada no racismo e que a ausência de pessoas negras nos espaços de poder é naturalizada. “Nossa história é marcada por suor, lágrimas e sangue. Esse país tem sua história marcada por barbárie e violência. Foi moldado na colonização, que significa a dominação feita por um grupo - que se diz superior - contra outro, que é subjugado, tido como incapaz e desumano. Um país que por quase 400 anos tratou seres humanos como animais e que, hoje, 130 anos depois da suposta Abolição da Escravatura, vive os resquícios da colonização e da escravidão”, disse.
De acordo com Francine, o Brasil é o país que mais mata pessoas negras no mundo e as principais vítimas do feminicídio são as mulheres negras. Para ela, é a desumanização dos corpos negros que naturaliza essa violência. “Não podemos em nenhum momento aceitar a desumanização das pessoas. Vivemos um processo de socialização em que há, constantemente, a negociação de vidas que são mais humanas que outras”, criticou.