MPPB destaca ações de enfrentamento à violência contra a mulher
A cada sete horas, uma mulher é assassinada no Brasil pelo simples fato de ser mulher. Essa brutal realidade faz com que ocupemos o 5º lugar no ranking mundial do feminicídio, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres (25/11), integrantes do Ministério Público da Paraíba (MPPB) defendem que, mais do que ações repressivas, o enfrentamento desse problema requer estratégias capazes de mudar a mentalidade e o comportamento das pessoas.
Para a promotora de Justiça Rosane Araújo, que atua na defesa da mulher em João Pessoa, o país vem passando por um processo de “naturalização” da violência contra a mulher, que requer uma resposta da sociedade. “Em pleno século XXI, era para se está vivendo um outro nível civilidade com plena inclusão social, tolerância e sem qualquer discriminação ou violência de gênero, porém, não é o que se constata, pois, a sociedade contemporânea, e muito especial, a brasileira anda doentia e vivendo uma distopia, em face da naturalização da discriminação e da violência de gênero, fruto de uma sociedade hierarquizada e patriarcal, que autoriza a dominação masculina em todas as esferas social e de poder, e com isso, o machismo é estrutural e a desigualdade de gênero e raça naturalizada”, disse.
Conforme explicou a coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Cidadania e dos Direitos Fundamentais (CAO Cidadania), a promotora de Justiça Liana Carvalho, o Ministério Público tem atuado no enfrentamento desse fenômeno, tanto na esfera criminal (acompanhando os inquéritos policiais e denunciando os agressores na Justiça para que eles sejam punidos conforme a lei) como na esfera cível (requerendo e dando pareceres em medidas protetivas de urgência em favor das vítimas e cobrando a implementação de serviços e políticas públicas previstas na Lei Maria da Penha).
A coordenadora do CAO Cidadania ressaltou a necessidade da união de esforços para combater a violência contra a mulher. “A violência contra a mulher é um problema mundial que não distingue cor, classe social ou etnia. Desde a escola, até os locais de trabalho a mulher é obrigada a conviver com o assédio e a subestimação. Isso ocorre em espaços públicos e privados, de todas as formas: física, psicológica e moral. A violência interfere na vida, no exercício da cidadania das mulheres e no desenvolvimento da sociedade em sua diversidade”, argumentou.
Iniciativas
Além de promotorias de Justiça especializadas (localizadas em João Pessoa e Campina Grande), o MPPB criou, recentemente, a Ouvidoria de Mulheres (um serviço especializado que está sendo implementado na Ouvidoria do MPPB para receber exclusivamente denúncias de violência contra a mulher e encaminhá-las às promotorias competentes para atuar nos casos).
Outra iniciativa importante foi a criação, em 2019, do Núcleo de Gênero. Coordenado pelo procurador de Justiça, Valberto Lira, e integrado pelos promotores de Justiça, Rosane Araújo, Ismânia Pessoa, Rogério Lucas e Caroline Freire, o órgão é responsável por articular, propor e executar políticas institucionais e pensar campanhas educativas nessa área para todo o Estado. “O Ministério Público da Paraíba é parte dessa rede de enfrentamento à violência de gênero e através de medidas de prevenção, em especial, consegue chegar à população em geral para debater o assunto e aprofundar a conscientização. Tudo isso, é claro, além do trabalho repressivo dos promotores e promotoras que atuam no combate à violência doméstica”, explicou Caroline Freire.
A instituição também tem investido em projetos como o “MP por Elas”, o “Refletir” e “Florescer Mulher” para romper com o ciclo da violência praticada contra a mulher. As três iniciativas foram idealizadas pelo CAO Cidadania, sendo que a primeira tem como gestora a promotora Liana Carvalho e as duas últimas, a promotora Dulcerita Alves.
Conforme explicou Liana, o “MP por Elas” integra o planejamento estratégico do MPPB e tem como objetivo fomentar, através de lei, a criação de Organismos de Políticas para Mulheres (OPMs) nos municípios paraibanos que ainda não possuem essa estrutura. Esses órgãos são responsáveis por elaborar, coordenar e monitorar a política pública para as mulheres.
Dulcerita Alves, por sua vez, esclareceu que o projeto “Refletir” consiste na realização de rodas de conversa com homens envolvidos em processo de violência doméstica. “O objetivo é levá-los a refletir sobre a temática de gênero, sobre a violência contra a mulher, o machismo e a masculinidade tóxica para promover uma mudança de comportamento para que eles não sejam reincidentes nessa violência. Dez encontros são realizados e os homens que participam, voluntariamente, desse trabalho podem ter a pena criminal diminuída”, disse, acrescentando que a iniciativa já foi realizada em João Pessoa, Campina Grande e Patos.
O ‘Florescer’, por sua vez, é destinado a mulheres em situação de violência doméstica. O projeto criado em 2018 possibilita a realização de escutas individualizadas e tem como objetivo promover a reflexão sobre relacionamentos abusivos e empoderar essas mulheres a não se submeterem á essa situação. A iniciativa já foi realizada em João Pessoa.
Pandemia
Este ano, em razão da pandemia da covid-19, os projetos “Refletir” e “Florescer Mulher” não puderam ser realizados. A expectativa é de que em 2021 eles passem por novas formatações e sejam expandidos no Estado, através da adesão de mais promotores de Justiça. “O ano de 2020 foi um ano atípico. Fomos pegos de surpresa e tivemos que nos reinventar”, disse Dulcerita.
Um dos casos que ilustra o poder de se reinventar é a rede “Carolinas de Bayeux”, que foi criada, conforme explicou a promotora de Justiça Fabiana Lobo, pela união de movimentos sociais formais e informais que trabalham em defesa da mulher em Bayeux, na Grande João Pessoa, com o apoio da Promotoria de Justiça local para dar uma resposta ao aumento dos casos de violência doméstica registrados no município, durante a pandemia, em razão das medidas restritivas de isolamento social.
A rede possui um grupo de WhatsApp (83. 9.8830-3231) com mais de 50 representações de toda a cidade, agilizando a comunicação e o repasse de informações de prevenção da violência doméstica. Uma das ações da rede foi a implantação do projeto “Refletir”. No último dia 24, foi concluído o primeiro grupo reflexivo de homens do município.
Também foi realizada uma capacitação online do projeto ‘Florescer’ às integrantes da rede para que a iniciativa seja implantada no município. “Mesmo no meio da pandemia, em Bayeux tive a demonstração que, com vontade, poucos recursos e muita força de mudar a realidade, conseguimos junto com o engajamento da promotora Fabiana Lobo e a ajuda da professora Leda Maia fazer essa capacitação on line”, disse Dulcerita.
25 de Novembro e 16 dias de ativismo
O Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres foi instituído, em 1999, pela Organização das Nações Unidas (ONU) para estimular governos e sociedade civil organizada a promoverem eventos anuais como necessidade de extinguir a violência contra as mulheres, um dos grandes desafios na área dos direitos humanos.
A data foi proposta no I Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe realizado em Bogotá, na Colômbia, em 1981, em homenagem às irmãs Patria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, conhecidas como “Las Mariposas”. Elas eram conhecidas em seu país, a República Dominicana, pelo ativismo político e foram brutalmente assassinadas pelo ditador Trujillo, em 25 de novembro de 1960. O crime, somado ao aumento de prisões, denúncias de torturas e desaparecimentos de opositores contribuiu para a queda do regime trujillista.
A data também marca o início da campanha mundial de combate à violência contra as mulheres que se estende até o dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos. O período é chamado de “16 dias de ativismo”. Segundo a promotora de Justiça Rosane Araújo, o Núcleo de Gênero do MPPB e as promotorias de Justiça da Mulher irão promover dois webinares, um no dia 3 e outro no dia 10 de dezembro, para discutir temas relacionados à violência contra a mulher e suas interseccionalidades de raça e etnia.