Webinar destaca importância da justiça restaurativa na área criminal
Um novo paradigma para resolução de conflitos, com foco no empoderamento, no respeito e na dignidade humana da vítima de um delito e na reparação de danos. Essas foram algumas das ideias discutidas na manhã desta sexta-feira (31/08) pela promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Anna Bárbara Fernandes de Paula, no webinar “Justiça restaurativa na seara criminal: projeto escutando o cidadão”, promovido pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB), na plataforma Zoom, com transmissão simultânea pelo YouTube.
O evento organizado pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional e pelo Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição (Nupa) do MPPB foi destinado a membros, assessores e servidores da instituição e também ao público externo. Cento e trinta pessoas se inscreveram para participar do seminário online, que foi conduzido pelo promotor de Justiça, Dmitri Amorim, e os debates mediados pela promotora de Justiça, Fábia Cristina Dantas Pereira, ambos integrantes do MPPB.
Segundo a palestrante, a justiça restaurativa, enquanto movimento estruturado, surgiu por volta dos anos de 1970, principalmente nos Estados Unidos e Canadá, como uma forma de repensar e reconstruir o conflito. “É um olhar com outras lentes; uma outra forma de se ver o problema da justiça criminal atual. A justiça restaurativa é uma filosofia; não uma técnica de resolução de conflitos. É um valor de justiça”, disse.
Resposta a um modelo que pune muito e mal
A promotora de Justiça do MPDFT explicou que o paradigma de justiça restaurativa surgiu em razão das falhas do modelo criminal convencional, sendo a maior delas o fato de termos um sistema que “pune muito, mas pune mal”. “O sistema atual não impede a reincidência; não promove a ressocialização da pessoa que foi punida; não fornece proteção e amparo às vítimas dos crimes e também não inclui a sociedade no processo e na forma de ressocialização. É esse paradigma que a justiça restaurativa tenta, de alguma forma, aprimorar”, explicou.
Segundo ela, o sistema criminal convencional (modelo retributivo) tem seu foco na punição do agressor, que não é estimulado a ter empatia com a vítima e a ter uma atuação positiva na reparação do dano causado. Com isso, os autores não assumem a responsabilidade pela ofensa praticada, mesmo quando são punidos; as vítimas são negligenciadas e impedidas de participar ativamente do processo criminal e a sociedade acaba cobrando mais punição e leis mais duras, porque há uma sensação de impunidade, medo e insegurança.
“O modelo de justiça restaurativa traz uma mudança de foco. O crime não é visto apenas como uma violação da norma, mas como uma violação de relacionamentos, das pessoas e, a partir dessa ideia, o foco sai exclusivamente do autor e da punição e passa a ser a vítima, o ofensor e a comunidade. Interessa saber quais os danos causados às vítimas, quais as necessidades de quem sofreu o dano, como e quem irá reparar esses danos. É por isso que a vítima passa a ter papel protagonista; não é tida como meio de prova, mas como um sujeito de direitos. A responsabilização do agressor passa a envolver uma reflexão sobre o ato praticado e uma postura ativa de corrigir os danos decorrentes da ofensa”, contrapôs.
O melhor dos dois modelos
A palestrante explicou também que não há, necessariamente, uma visão excludente entre os paradigmas da justiça retributiva e da justiça restaurativa e defendeu que o ideal é ter “o melhor dos dois modelos, com a responsabilização do agressor e também com o apoio e amparo à vítima”. “São visões complementares. A justiça restaurativa não busca o abolicionismo penal, nem quer excluir o processo criminal, substituindo-o por práticas restaurativas. Não é esse o objetivo”, destacou, esclarecendo que, em algumas situações (como por exemplo quando o autor não assume a responsabilidade pelo dano provocado), a justiça restaurativa não é a melhor resposta para a solução de um conflito.
Anna Bárbara falou dos quatro “Rs” da justiça restaurativa (reconhecimento dos danos, reconhecimento das necessidades dos agentes envolvidos – autor, vítima e comunidade -, responsabilização e restauração) e do objetivo de se buscar a prevenção, a paz e a recomposição do tecido social, com um olhar humanizado à vítima para que ela possa superar o trauma sofrido.
Programa Escutando o Cidadão
O webinar também tratou das iniciativas de justiça restaurativa na seara criminal realizadas no Distrito Federal, pelo Ministério Público, como o programa “Escutando o Cidadão”.
Segundo a palestrante, a iniciativa nasceu, em 2018, como projeto no município de Ceilândia, onde atua como promotora de Justiça. As ações foram focadas nas vítimas de delitos violentos. O êxito do projeto fez com que ele se tornasse, este ano, um programa, com abrangência em todo o Distrito Federal. “A Ceilândia tem uma das maiores favelas da América Latina e essa comunidade sofre muito com crimes violentos. Um dos objetivos do projeto foi dar uma resposta mais humana e de amparo às vítimas desses delitos. O Ministério Público, enquanto titular da ação penal, deveria ser o grande ator e protagonista do dever de proteção à vítima”, defendeu.
Anna Bárbara destacou que o programa tem como objetivos criar uma cultura de amparo à vítima e fomentar, em todos os atores do sistema de justiça criminal (desde polícias civil e militar, Ministério Público e Judiciário) o acolhimento, a informação, a proteção e o empoderamento dessas vítimas. Ela apresentou aos participantes algumas ações em desenvolvimento, como campanhas, inclusive em relação à violência doméstica contra a mulher. Também falou sobre os círculos de paz, que atingiram 100% de satisfação entre os participantes. Além disso, para 90% dos participantes, houve a melhora do conceito do Ministério Público e essas pessoas, num total de 84% se sentiram mais preparadas para enfrentar uma audiência criminal.
Debates
Os debates foram conduzidos pela promotora de Justiça Fábia Pereira, que, aduziu: “Com a explanação do programa ‘Escutando o cidadão - diálogo com vítimas de delitos’, implementado pelo MPDFT, na pessoa da promotora de justiça Anna Bárbara, pudemos verificar a existência de alternativas, muitas vezes simples de ser implementadas, na vivência ministerial, onde passamos a ter um olhar mais humano e não, apenas punitivo; onde podemos evoluir não só para a resolução do processo em si, mas do problema apresentado. Tirando a vítima do papel de mera espectadora e colocando-a como protagonista da sua própria vivência. Uma ótima iniciativa do Nupia junto com o Ceaf para fazer florescer novas visões e novos caminhos na implementação da efetivação da justiça”.
Segundo a promotora de Justiça que coordena o Nupa, Liana Carvalho, o evento foi um sucesso. "Apesar de ser um tema pouco usual e polêmico, a aplicação da justiça restaurativa na esfera penal gera curiosidade e interesse nos operadores do Direito, o que é importante para abrir as mentes a novas possibilidades dentro do processo penal, dando uma atenção maior às vítimas, que, historicamente, são tratadas apenas como meio de prova para uma condenação criminal", disse.