Projetos do MPPB em favor das vítimas de crimes são destaque em encontro interinstitucional
Os projetos ‘Restauração’, ‘Florescer’ e ‘Refletir’, idealizados e implementados pelo Ministério Público da Paraíba para promover a dignidade e os direitos das vítimas de crimes, foram destaques no primeiro dia do Encontro Interinstitucional dos Ministérios Públicos dos Estados do Piauí (MPPI) e da Paraíba (MPPB). O evento online iniciado nesta segunda-feira (5/04) tem como público-alvo integrantes do Ministério Público brasileiro, operadores do Direito, profissionais que atuam em áreas focadas nos direitos das vítimas e demais interessados no assunto. Ele está sendo transmitido em tempo real pelo canal do MPPI no youtube e será encerrado amanhã (6/04).
O encontro interinstitucional foi aberto pelos procuradores-gerais de Justiça do MPPI, Carmelina Maria Mendes de Moura; pelo procurador-geral de Justiça do MPPB, Francisco Seráphico Ferraz da Nóbrega Filho, e pelo presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Manoel Victor Sereni Murrieta e Tavares.
Os três destacaram a relevância do evento e falaram também sobre a importância de uma mudança legislativa, já em discussão no Congresso Nacional com o Estatuto da Vítima (Projeto de Lei 3890/2020, que altera o Código de Processo Penal para instituir direitos às vítimas de crimes, desastres naturais e epidemias independentemente da sua nacionalidade e vulnerabilidade individual ou social) e também jurídico-processual.
Autocrítica
O procurador-geral de Justiça do MPPB destacou que o evento possibilita uma reflexão e uma autocrítica sobre a atuação do Ministério Público brasileiro, que, por muitas vezes, está focada na responsabilização criminal dos autores de crimes em detrimento da atenção e assistência às vítimas. “Essa é uma pauta relevante por tratar dos direitos humanos das vítimas. No momento em que enfrentamos uma pandemia, promover um evento como esse é uma honra e uma alegria porque é uma oportunidade de se discutir uma injustiça histórica em relação à vítima, que sempre foi relegada ao último plano no campo judiciário. O grande protagonista do processo penal é o acusado. A vítima, muitas vezes, foi ignorada nesse processo de reconhecimento de garantias e direitos por parte do Estado. Nós, do MPPB, temos muito a avançar, mas os Centros de Apoio Operacional e promotores de Justiça têm desenvolvido projetos nessa área”, disse Seráphico, contextualizando historicamente mudanças nesse cenário que começaram a surgir, ainda que de forma tímida, apenas a partir da 2ª Guerra Mundial, com o holocausto.
A procuradora-geral do MPPI também falou sobre a missão do Ministério Público em promover a minoração dos danos causados e sofridos pelas vítimas de crimes e defendeu que promotores, procuradores e servidores da instituição devem ter um “olhar de cuidado, amparo, proteção e acolhimento jurídico, social e psicológico às vítimas”. O presidente da Conamp, por sua vez, disse que a Associação já promoveu dois congressos para discutir o assunto. “Temos que ver as dificuldades do tema, buscar soluções, mas principalmente, consolidar a certeza de que o País não pode ficar com essa lacuna em relação à vítima no processo penal”, defendeu.
Experiências
Quatro iniciativas desenvolvidas pelos dois MPs que promovem o evento foram apresentadas nesta segunda-feira, com o objetivo de discutir e trocar experiências que podem ser expandidas em todo o País para promover os direitos das vítimas de crimes.
O primeiro foi a criação do Núcleo de Práticas Autocompositivas e Restaurativas (Nupar), que foi apresentado pela promotora de Justiça Luana Azerêdo Alves, coordenadora do CAO Criminal do MPPI.
Ela explicou que o Nupar integra o programa “MPPI sempre presente”, que tem como parâmetros objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU (com destaque para o que versa sobre a paz, justiça e instituições eficazes) e que foi criado para instituir a política de justiça restaurativa e tratamento adequado de conflitos no MP do Piauí.
O Núcleo também é norteado pela Resolução 118/2014 e pela Recomendação 54/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), tendo como objetivos assegurar à sociedade acesso à justiça com atuação resolutiva, promover satisfação social, disseminar a cultura da paz e reduzir a litigiosidade, priorizando a celeridade e a resolução extrajudicial de conflitos através de mecanismos como negociação, mediação, conciliação e processo restaurativo.
Ela falou sobre a atuação do Nupar e destacou inclusive o cuidado na idealização do núcleo no aspecto arquitetônico de sua sede. “É preciso que o MP trate esse tema (dos direitos das vítimas) de maneira humana, proativa, inovadora e resolutiva, de acordo com a gravidade do tema e das peculiaridades de cada caso concreto. O Nupar não é apenas um espaço e uma sede. Ele foi idealizado e está sendo projetado para ser um lar, uma casa acolhedora, um ambiente de integração e cura para vítimas de crimes e seus familiares”, disse.
Reparação
Outra iniciativa destacada no evento para promover a dignidade e os direitos das vítimas de crimes foi o projeto idealizado e implementado pelo MPPB denominado “Restauração”. Ele foi apresentado pelo promotor de Justiça e coordenador do CAO Criminal do MP paraibano, Lúcio Mendes.
Segundo ele, 266 vítimas de crimes diversos (como violência doméstica, crimes patrimoniais e familiares de vítimas de homicídios, por exemplo) foram contempladas pelo projeto, lançado em 2018 e que foi executado em três microrregiões do Estado da Paraíba por 28 promotores de Justiça. A iniciativa precisou ser suspensa, devido à pandemia.
Lúcio falou sobre os princípios e objetivos do projeto e detalhou como funciona sua execução. Uma das etapas prevê que promotores de Justiça requeiram, no momento em que oferecem a denúncia contra o agressor na Justiça, pedidos de indenização e assistência em favor das vítimas. Outra etapa prevê reuniões com essas vítimas para ouvir delas suas necessidades (como assistência psicológica, social etc) e, a partir daí, adotar providências para saná-las. “O resgate dos direitos das vítimas é uma tendência da política criminal contemporânea e da criminologia”, destacou, lembrando inclusive a Resolução 40/34 da ONU que versa sobre o assunto.
Ele explicou que a vítima de crimes sofre três processos de vitimização: o primário (decorrente da própria ação criminosa), o secundário (resultante do constrangimento sofrido durante o processo de atendimento nos órgãos do Estado por conta do despreparo, omissão e mau atendimento dos agentes públicos) e o terciário (produzido pela comunidade quando a vítima passa a ser julgada ou ridicularizada). “O foco do projeto ‘Restauração’ está nos processos de vitimização secundária e terciária”, disse.
Florescer e Refletir
Os outros dois projetos implementados pelo MPPB e destacados no encontro foram o ‘Florescer’ e o ‘Refletir’, apresentados pela promotora de Justiça que atua na defesa da mulher vítima de violência doméstica em João Pessoa, Dulcerita Alves.
Conforme explicou a promotora de Justiça, o ‘Refletir’ foi criado em 2018 e é destinado a homens em situação de violência doméstica processados, submetidos à medida protetiva, sentenciados e voluntários. Seu objetivo é promover, através de grupos reflexivos, a mudança de mentalidade e de comportamento para combater a cultura do machismo e por, em seu lugar, a cultura do respeito e da paz. “A natureza demandista é muito ultrapassada para quem trabalha com violência doméstica. Estava vendo que meu trabalho era enxugar gelo, porque o número de processos só aumentava. Percebi que precisava fazer alguma coisa para tentar romper com esse ciclo de violência”, disse ao explicar a motivação dos projetos.
Dulcerita ressaltou peculiaridades da mulher vítima de violência doméstica e familiar que requerem um olhar mais cuidadoso, empático e de acolhimento. “A vítima de violência doméstica não é a vítima ‘padrão’, dos programas policiais de TV, que diz que quer justiça, quando é perguntada. A vítima de violência doméstica é aquela que, se você perguntar o que ela quer, ela vai dizer, em muitos casos, que quer que salvemos o marido dela, que salvemos a família dela”, disse.
Em relação ao projeto ‘Florescer’, Dulcerita explicou que ele começou a ser implementado em maio de 2019 e que se trata de grupos operativos destinados a mulheres vítimas diretas e/ou indiretas de violência doméstica, voluntárias (mulheres sem processos judiciais) e familiares. O projeto trabalha com a conscientização e o empoderamento dessas mulheres para que elas superem essa situação. Em razão da pandemia da covid-19, as iniciativas também precisaram ser suspensas.
Palestras
O evento organizado pelos centros de Apoio Operacional às Promotorias Criminais do MPPI (CAOCrim) e do MPPB (CAO Criminal), em parceria com os centros de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) das duas instituições seguiu com palestras sobre os temas: desafios para implementação da Lei da Escuta Protegida (ministrada pela promotora do Rio Grande do Sul, Denise Vilella e mediada pela promotora do MPPI, Sílvia Reis) e Vítimas de crimes cibernéticos (ministrada pela promotora do MPMG, Christianne Bensoussan e mediada pelo promotor de Justiça do MPPB, José Guilherme Lemos). O encontro foi encerrado pelo coordenador do CAO Criminal do MPPB, o promotor de Justiça Lúcio Mendes.
Assista ao vídeo do primeiro dia do encontro