Direitos das vítimas: palestrantes defendem perspectiva de gênero no julgamento de casos
O Ministério Público da Paraíba realizou, na manhã desta sexta-feira (02/09), o “Ciclo de debates sobre direitos das vítimas”, durante o qual os expositores defenderam a adoção de uma perspectiva de gênero no atendimento das mulheres e no julgamento dos crimes contra elas. Também houve relato de boas práticas no sentido de acolher os familiares de mulheres assassinadas, que são vítimas indiretas e que precisam, muitas vezes, ser encaminhadas aos serviços restaurativos e até de proteção. O recado mais forte do webinário foi aos integrantes do sistema de Justiça para que adotem o Protocolo para Julgamento com Perspectivas de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, evitando tratar e julgar os casos sob ótica pessoal, evitando, assim, a revitimização e a prática da violência institucional contra a mulher.
O evento foi realizado de forma remota, sendo idealizado pelo Núcleo de Gênero, Diversidade e Igualdade Racial (Gedir/MPPB) e organizado pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf). A promotora de Justiça do MPPB e integrante do Gedir, Dulcerita Soares Alves, saudou os participantes, apresentando a cada um e destacando alguns pontos de seus currículos e de sua atuação como membros do Ministério Público: a promotora de Justiça do MPRN e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Érica Verícia Canuto de Oliveira Veras; o promotor de Justiça e coordenador do Caop Criminal do MPRN, Vinícius Lins Leão Lima; e a pela promotora de Justiça do MPSP, Silvia Chakian de Toledo Santos.
Dulcerita mediou o debate, repassando as perguntas dos participantes para que fossem respondidas pelos expositores e elogiou a forma como incentivaram a que se tenha “um olhar humanizado às vítimas, deixando de vê-las como um objeto, para enxergá-las como um sujeito de direitos”.
Érica Canuto: cada mulher tem a sua história
A primeira a falar foi a promotora de Justiça do MPRN, Érica Canuto, que trouxe o tema “Proteção integral à mulher vítima de violência”. De início, ela falou sobre ‘gênero’ como “um espaço simbólico de sentido estruturante que modela comportamentos, sentimentos e crenças”, no qual meninos e meninas são educados e socializados para lugares diferentes. Érica Canuto lembrou da importância de que os integrantes de instituições de proteção e do sistema de Justiça reconheçam que cada mulher tem sua história, e que, mesmo que o volume de processos seja grande, os casos não devem ser tratados em blocos, mas cada mulher precisa ser ouvida, sua fala considerada e ela deve ser informada sobre todos os aspectos que envolvem seu processo.
A promotora apresentou alguns sinais de alerta que devem ser considerados no atendimento à vítima (culpabilização, angústia, esgotamento, infelicidade, crises de ciúmes, medo de explodir, entre outros); falou da Lei Maria da Penha como um microssistema protetivo e não como uma lei contra homens; questionou sobre o preparo dos profissionais que lidam com as vítimas de violência, considerando que o despreparo acaba por revitimizar a mulher (violência institucional); e reformou a necessidade do atendimento restaurativo (legitimando a fala da vítima; não a culpando, nem levantando suspeita sobre sua fala; nunca sugerindo que desista das medidas protetiva e jamais tentar resolver a vida dela por ela, por exemplo).
Vinícius Lins Leão Lima: um olhar às vítimas indiretas
O promotor de Justiça do MPRN, Vinícius Lima, fez um relato sobre o Núcleo de Apoio às Vítimas de Violência Letal e Intencional (Nuavv), um espaço recém-implantado no prédio da Procuradoria-Geral de Justiça do RN, há cerca de 40 dias, com recursos disponíveis na instituição, na condição de projeto-piloto. Ele coordena o núcleo, que é integrado também por uma assessora jurídica, uma assistente social e uma psicóloga. De acordo com o promotor a experiência também já existe em outros MPs e tem se consolidado como um exemplo de boas práticas no acolhimento de vítimas e de familiares. Ele destacou uma estimativa de que, cada assassinato, afeta de seis a dez pessoas que são membros da família (além de amigos, colegas de trabalho…) e que é preciso ter um olhar a essa vítimas indiretas.
Vinícius Lima explicou como tem sido o funcionamento do Nuavv, destacando que o espaço é uma porta aberta para os familiares que buscam informações sobre casos criminais ou ainda queiram repassar informações relevantes para autoridades responsáveis no MPRN. Ele disse, ainda, que o órgão atua como porta para inclusão no Provita (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas), quando, em razão de sua colaboração, a vítima sofrer violência ou ameaças. Também no acolhimento, é identificada a necessidade de assistência à saúde, psicológica ou social e também de ser fazer o encaminhamento do familiar à rede de serviços do município.
Silvia Chakian: mulheres têm desvantagem histórica
A última palestra do webinário foi proferida pela promotora de Justiça do MP de São Paulo, Silvia Chakian de Toledo Santos, que atua no enfrentamento à violência doméstica e familiar e é coordenadora do Núcleo de Atendimento à Vítima de Violência (Navv/MPSP). Ela falou sobre “Direitos Fundamentais com Perspectiva de Gênero”, mostrando que as mulheres têm uma desvantagem histórica em relação aos direitos fundamentais, devido ao patriarcado, segundo ela, é um sistemas de leis, crenças e valores que se sustenta por contar como instituições como a família, a religião e o Estado que impõe valores como castidade, fidelidade e submissão às mulheres.
Sílvia Shakian falou sobre como os estereótipos atrapalham o julgamento e influenciam negativamente os representantes do sistema de Justiça, que, por exemplo, cobram um padrão de recato moral às vítimas e agem com uma dupla moralidade, na qual se tolera atitudes em homens e se repudia em mulheres. A promotora de Justiça destacou a importância das instituições abandonarem os estereótipos e de os julgadores e promotores de Justiça adotarem a laicidade nos processos, adotando uma nova mentalidade a despeito de suas crenças e valores pessoais.
Ela criticou o fato de, por exemplo, se questionar a interrupção da gravidez de meninas e mulheres amparadas por lei e questionou quantas gerações de mulheres ainda ainda sofrerão a revitimização e os danos e atentados à dignidade humana. A representante do MP recomendou fortemente à observância ao Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, do CNJ.