Palestrantes falam sobre rede de assistência à saúde mental e alertam sobre retrocessos
“Saúde mental se faz de forma coletiva. Um projeto terapêutico sem a participação de todos, inclusive do usuário, tende a fracassar”. Essa foi uma das principais ideias defendidas pela coordenadora da Saúde Mental no Estado da Paraíba, Iaciara Mendes, no webinar promovido nessa segunda-feira (28/09), pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB), para discutir o papel da instituição ministerial na implementação da rede de atenção psicossocial (RAPs). Outro assunto discutido no evento foram as ameaças ao cumprimento da Lei Federal 10.216 (Lei Antimanicomial), em vigência no País desde 2001.
Além de Iaciara, também foram palestrantes o promotor de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, Édipo Soares Cavalcante Filho, coordenador do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde do MPPE e a assistente social do MPPE, Ana Lúcia Martins de Azevedo, que é especialista em direito da saúde e doutora em saúde pública.
Em comum na fala dos três, ideias como saúde mental requer um trabalho intersetorial e interinstitucional em rede e os desafios para o cumprimento da Lei Antimanicomial e para a implementação da RAPs, nos Estados e municípios, como a resistência ao desmonte da política pública em saúde mental que vem sendo defendido em âmbito nacional; a ruptura com a lógica manicomial (de isolamento e enclausuramento das pessoas com transtornos mentais e usuários de drogas) e medicamentosa e a precarização das condições de trabalho e da infraestrutura dos serviços.
RAPs na Paraíba
Iaciara Mendes falou sobre a Lei Estadual 7.639/2004, que dispõe sobre a reforma psiquiátrica na Paraíba e sobre a importância do apoio do Ministério Público para a implementação da rede de atenção psicossocial, que dispõe, atualmente, de mais de 100 serviços de saúde mental em todo o Estado, entre Centros de Apoio Psicossocial – Caps; unidades de acolhimento, residências terapêuticas, unidades de urgência e emergência psiquiátricas, equipes de consultório de rua, além de leitos psiquiátricos em hospitais públicos.
Ela destacou a importância do trabalho de sensibilização dos atores do sistema de Justiça em relação à importância de serviços comunitários (Caps, hospitais-dia etc), o que levou à diminuição dos pedidos judiciais por internações compulsórias de pessoas com transtornos mentais.
Falou também da parceria com o MPPB para a realização de visitas periódicas de acompanhamento e monitoramento dos municípios que aderiram ao projeto “Aliança aos Usuários de Drogas e a Família”, em 2016; mencionou a publicação da cartilha de orientação em saúde mental, em 2017; falou da criação do Grupo de Trabalho interinstitucional de prevenção ao suicídio e da elaboração de uma Nota Técnica para os serviços sobre o assunto. Também falou sobre o programa de fiscalização das internações involuntárias e da cobrança para que os gestores municipais melhorassem seus serviços de atenção psicossocial, o que colabora para a diminuição das internações hospitalares psiquiátricas. “Não consigo fazer saúde mental e política pública sem a parceria com o Ministério Público”, disse.
Fechou sua fala destacando a “obrigação de continuarmos a luta por uma sociedade sem manicômios”, que podem vir disfarçados em serviços que surgem em locais isolados e impedem o restabelecimento de vínculos do usuário com sua família, com o seu trabalho e com a sociedade.
Pioneirismo de Pernambuco
O webinar proporcionou aos participantes conhecer a experiência do Ministério Público e do Estado de Pernambuco na implementação da rede de atenção psicossocial, um dos pioneiros no País.
Segundo o promotor de Justiça, o perfil resolutivo e mediador do Ministério Público possibilita à instituição atuar como um importante indutor de políticas públicas, garantidor da paz social e dos direitos sociais indisponíveis. Ele destacou que o Estado de Pernambuco inovou ao proibir, através Lei Estadual nº11.064/1994 (antes da Lei Antimanicomial de 2001), os manicômios no Estado, substituindo progressivamente os hospitais psiquiátricos por uma rede de atenção integral a saúde mental. Também criticou a emenda constitucional que impôs o teto aos gastos públicos em áreas como saúde, por entender que a falta de investimento no setor, dificulta o trabalho dos gestores municipais e estaduais. Para atuar nessa frente, o MPPE tem trabalhado junto com o Ministério Público Federal.
O representante do MPPE destacou ainda que foi preciso muito diálogo e mediação com os gestores pernambucanos para que fossem adotadas as medidas necessárias à implementação da RAPs no Estado e falou sobre o trabalho de fiscalização realizado em comunidades terapêuticas e sobre a atuação que resultou no fechamento de hospitais psiquiátricos que violavam os direitos humanos dos usuários. Também mencionou o programa de fiscalização em saúde mental para normatizar e inspecionar as internações involuntárias no âmbito do MPPE, combatendo abusos.
A assistente social do MPPE, por sua vez, fez uma explanação sobre a evolução conceitual e histórica acerca da loucura, falando sobre o surgimento dos manicômios no século 17 e da segregação dos pacientes.
Ela destacou o movimento social da Luta Antimanicomial, que foi influenciado pela Psiquiatria Democrática Italiana dos anos de 1960 e que proporcionou avanços como a Lei Federal 10.216/2001 (conhecida como “Lei Antimanicomial’, que dispõe sobre a proteção e direitos das pessoas com transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial, tendo os serviços comunitários como prioritários para a organização da atenção em saúde mental no Brasil) e a Portaria 2.391/2002, que versa sobre o controle das internações psiquiátricas involuntárias no País.
Também falou sobre a Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015), que priorizou o instituto da tomada de decisão apoiada às pessoas com deficiência como regra, em detrimento da interdição e curatela e criticou a Lei 13.849/2019 (que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas) e a Portaria 3588/2017, por considerá-las um "retorno ao confinamento" dos usuários.
Webinar
O webinar foi promovido pelo Núcleo de Políticas Públicas (NPP) e pelo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional (Ceaf) do MPPB, através da plataforma Zoom, com transmissão simultânea pelo canal do Núcleo de Ensino a Distânica (Nead) no Youtube.
O evento foi aberto pelo coordenador do NPP, o procurador de Justiça Valberto Lira, e mediado pela promotora de Justiça de Defesa da Saúde de Campina Grande, Adriana Amorim. Participaram membros e servidores do MPPB, profissionais da saúde, representantes de movimentos sociais e pessoas interessadas no assunto.